o Fracasso ao Sucesso: Como o Dodge Polara Conquistou o Brasil com Persistência

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Se você é apaixonado por carros antigos e curte descobrir a fundo os bastidores da indústria automobilística brasileira, prepare-se para mergulhar na história surpreendente do Dodge Polara, um veículo que passou de promissor a polêmico, até finalmente encontrar seu lugar nos corações e garagens dos brasileiros. Este não é apenas mais um relato sobre um modelo clássico, mas sim um retrato fiel de como a persistência e a inovação conseguiram transformar um carro cheio de problemas em uma referência de conforto e dirigibilidade.

O Começo de Tudo: Chrysler no Brasil

Créditos: Reprodução

Para entender o nascimento do Dodge Polara, você precisa olhar para o final dos anos 60. Naquela época, a Chrysler do Brasil S.A., estabelecida em São Bernardo do Campo (SP), já tinha conquistado seu espaço no segmento de carros de luxo com o imponente Dodge Dart, lançado em 1969. O Dart causou impacto ao disputar mercado diretamente com pesos-pesados como o Chevrolet Opala e o Ford Galaxie.

Mas logo ficou claro que o mercado brasileiro também desejava modelos menores e mais acessíveis, como o VW TL e o Ford Corcel. E foi aí que começou a busca da Chrysler por um modelo que atendesse essa demanda. Diversas opções foram analisadas: o Mitsubishi Colt Galant (do Japão), o Simca 1000 (da França) e os britânicos Hillman Hunter e Hillman Imp. No fim, a marca optou pelo Hillman Avenger, um carro moderno lançado em 1970 no Reino Unido e em 1971 na Argentina, onde ganhou o nome Dodge 1500, devido ao seu motor de 1,5 litro.

Nasce o Dodginho

Créditos: Reprodução

Em novembro de 1972, durante o 8º Salão do Automóvel de São Paulo, você pôde conhecer pela primeira vez o Dodge 1800, carinhosamente apelidado de Dodginho. Apesar do nome “1800” remeter ao seu motor de 1,8 litro, o que chamou a atenção foi seu design moderno e sua proposta de ser um carro compacto e acessível, mas ainda assim sofisticado.

A estrutura do carro seguia uma concepção tradicional, com motor de quatro cilindros em linha, câmbio manual de quatro marchas e tração traseira. O monobloco de duas portas foi um diferencial, pois até então o Hillman Avenger original existia apenas como sedã de quatro portas ou perua. Detalhe: esse monobloco foi um dos primeiros no mundo projetados com auxílio de CAD (desenho auxiliado por computador), incluindo célula de sobrevivência e zonas de deformação programada — um grande avanço em segurança automotiva na época.

Segurança em Primeiro Lugar

Créditos: Reprodução

Apesar de ser um carro compacto, o Dodginho foi pensado com segurança como prioridade. Ele tinha circuito de freios duplo, coluna de direção bipartida, espelho retrovisor colado ao para-brisa e maçanetas internas embutidas, o que evitava ferimentos em colisões. Tudo isso era um luxo para os padrões brasileiros do início da década de 70.

O espaço interno era razoável, embora o túnel central elevado atrapalhasse um pouco o conforto para os passageiros do banco traseiro. Já o porta-malas de 316 litros surpreendia positivamente com seu bom acesso.

Desempenho: Um Começo Decepcionante

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Agora, vamos falar de um dos grandes tropeços do Dodginho: o desempenho. Com um motor 1.8 litro e taxa de compressão de apenas 7,5:1 — necessária por conta da péssima qualidade da gasolina brasileira da época —, o carro entregava modestos 78 cv a 4.600 rpm e 13,4 kgfm de torque a 3.000 rpm. Isso resultava em uma aceleração de 0 a 100 km/h em 20,3 segundos e velocidade máxima de apenas 141 km/h.

Apesar disso, você sentiria uma boa estabilidade e comportamento dinâmico ao dirigir, proporcionados pelas suspensões com molas helicoidais nas quatro rodas (McPherson na frente e eixo rígido atrás), além da direção por pinhão e cremalheira e dos freios dianteiros a disco, mesmo sem assistência a vácuo.

Problemas Técnicos e a Má Fama Inicial

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Como se não bastasse o desempenho tímido, o Dodginho enfrentava problemas mecânicos sérios nos primeiros anos. O maior vilão era o carburador Solex 32, que vivia dando dor de cabeça aos proprietários. Em 1974, a Chrysler substituiu o componente por um carburador inglês Lucas, numa tentativa de melhorar a reputação do modelo.

Também nesse ano, surgiu a versão SE, com apelo jovem e esportivo. Mas a má fama persistia, impulsionada por um controle de qualidade falho e pela estreia de um forte concorrente: o VW Passat, que rapidamente conquistou o mercado.

A Virada em 1976: Surge o Dodge Polara

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Mas se você acha que a história do Dodginho termina aí, está enganado. Em 1976, a Chrysler reconheceu os erros e promoveu uma revisão geral no projeto. O carro foi rebatizado como Dodge Polara, ganhou suspensão traseira mais baixa, pneus radiais e teve o motor recalibrado para 93 cv. Agora, o Polara fazia 0 a 100 km/h em 14,05 segundos e atingia 158 km/h de máxima, mantendo um bom consumo de combustível.

Essa versão renovada, mais robusta e confiável, fez com que muitos dos antigos críticos se tornassem verdadeiros fãs. E quem já havia mantido o carro mesmo nos tempos difíceis, passou a elogiar com ainda mais entusiasmo o seu conforto, o bom acabamento interno, a precisão do câmbio e a excelente dirigibilidade.

Melhorias no Visual: O Novo Estilo do Dodginho

Em 1978, o Polara entrou em sua fase final de atualizações visuais. O carro passou a contar com faróis retangulares maiores, novos indicadores de direção nos para-lamas dianteiros e lanternas traseiras redesenhadas. Por dentro, o acabamento ficou ainda mais requintado. Mas apesar dos avanços, o Ford Corcel II, lançado naquele mesmo ano, conseguiu atrair uma grande parte do público que o Polara tentava reconquistar.

A Volkswagen Entra em Cena

Com dificuldades financeiras, a Chrysler do Brasil foi adquirida em 1979 pela Volkswagen, que logo começou a reorganizar suas operações no país. Curiosamente, esse também foi o ano em que o Polara recebeu um câmbio automático de quatro marchas, uma novidade rara no segmento de compactos nacionais da época.

Em 1980, surgiu o Polara GLS, uma versão mais sofisticada, com acabamento refinado, voltada para um público exigente. No entanto, o tempo do Dodginho já havia passado. A produção foi encerrada em 1981, totalizando 92.665 unidades fabricadas, agora sob o selo da Volkswagen Caminhões.

Sobreviveu na Argentina

Enquanto no Brasil o fim chegou em 1981, o Dodginho ganhou vida nova na Argentina. Lá, ele foi fabricado até 1990, primeiro como Dodge 1500 e depois, a partir de 1982, como Volkswagen 1500. Um feito notável para um carro que, em sua origem, quase foi um fracasso completo.


Ficha Técnica – Dodge 1800 Standard 1975

Se você é um entusiasta técnico, vai gostar de conhecer os dados abaixo:

  • Motor: Longitudinal, 4 cilindros em linha, 1.799 cm³

  • Carburador: Horizontal de fluxo descendente

  • Potência: 82 cv a 4.600 rpm

  • Torque: 14,5 kgfm a 3.000 rpm

  • Câmbio: Manual de 4 marchas, tração traseira

  • Carroceria: Fechada, 2 portas, 5 lugares

  • Dimensões: Comprimento: 412,5 cm | Largura: 153,8 cm | Altura: 137,6 cm | Entre-eixos: 248,9 cm

  • Peso: 958 kg

  • Pneus: 6,45 x 13 diagonais


Conclusão: Um Clássico que Vale Ser Redescoberto

Ao final desta jornada, você percebe que o Dodge Polara, ou simplesmente Dodginho, foi muito mais do que um carro. Ele representou ousadia, inovação e também erros que ensinaram lições valiosas. Embora tenha demorado para conquistar o mercado, sua trajetória é marcada por evolução constante e por uma legião de fãs fiéis que enxergaram suas qualidades mesmo nos momentos mais críticos.

Se um dia você cruzar com um Dodginho restaurado na rua ou tiver a chance de dirigir um, lembre-se: está diante de um marco na história do automobilismo brasileiro, que soube dar a volta por cima e conquistar seu espaço com dignidade e estilo.

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